sábado, 6 de agosto de 2011

Morretes, Serra do Mar, em busca do elo perdido.

De férias em Curitiba tentamos encontrar ali o prato, talvez o mais conhecido do Paraná, porém dentro das concepções e pormenores que envolvem o seu preparo. Ali mesmo perto da Ópera de Arame experimentamos uma das suas versões. Encontrá-lo, no entanto, da forma mais original possível foi uma grande façanha, mas não tão exaustiva. Ponto de partida: Estação Rodoferroviária. Destino: Serra do Mar, subir e descer até Morretes, a sua terra natal, o berço desse lendário prato - o Barreado.
De trem pela Serra do Mar
Indo para Morretes
Duas outras cidades - Paranaguá e Antonina - disputam a paternidade do barreado, cada uma com particularidades e rituais distintos. Num dos vagões do trem tomei conhecimento de que em Paranaguá há lá a Casa do Barreado, um restaurante premiado pela midia e que tem na Dona Norma a receita mais tradicional possível. Mas ir lá conferir será outra missão.  Mas, neste momento, o meu foco era Morretes.
Indo para Morretes- Serra do Mar
Em Antonina há festejos na elaboração desse prato, um ritual todo peculiar. Mas, por que tanto folclore em torno de uma receita?

Morretes, o berço do barreado
A origem do barreado é um tema polêmico. Não se sabe com exatidão se nasceu numa dessas três cidades, há quem afirme que foi trazida pelos portugueses, introduzida pelos tropeiros durante o Entrudo( o antigo carnaval). É que nesses festejos necesitava-se de uma comida que desse para todos os dias, era só requentar e servir sem perder o seu sabor. E ele cumpria esse papel. Um detalhe: para evitar que a carne secase demais com a evaporação, passou-se a cobrir as panelas com uma folha de bananeira, escaldada em água quente, amarrando-a e depois de tampada, barreavam a panela - daí a expressão barreado - com um pirão feito com a farinha, a cinza do fogão a lenha e água selava-se o recipiente.
Símbolo da fartura, festa e alegria.
rio Nhundiaquara - Morretes
Os primeiros barreados eram preparados numa panela de barro hermeticamente fechada, ou seja barreada, depois enterrada  e sobre ela acendia-se uma fogueira, cujo calor durante quase 24 horas se encarregava do cozimento, sem que fosse necessário acrecentar água e a carne ficava tão cozida, desfiava-se à toa, num aspecto de pirão.
Desembarcando em Morretes
O ato de barrear a panela
Esse processo de cozimento, enterrando-se a panela e fazendo-se uma fogueira já era conhecida pelos ameríndios e pelos africanos.Os negros da África Equatorial preparavam exemplares de caça nos mesmos moldes, também ocorrendo com os indígenas sioux do leste do Mississipi nos chamados stoneboilers.
Pronto para servir
Lendas e mais lendas norteiam este prato. Uma que merece crédito: os tropeiros que faziam o caminho de Itupava pela Serra do Mar a fim de comercializar a erva-mate com o litoral  alimentavam-se do barreado, por ser um prato resistente e de baixíssima deterioração,  durava para toda a viagem e era apreciado em uma única refeição diária na parte da tarde. Preparavam-no a partir da carne gorda para dar mais energia, temperando-o com louro, um excelente digestivo, era acompanhado da farinha de mandioca escaldada pelo caldo grosso formando um suculento e irressistível pirão e acompanhado da banana, em abundância na serra, selando-se essa refeição com uma dose da única bebida admissível, a famosa cachaça de alambique.
Uma outra lenda dá conta de que no litoral os caboclos que se alimentavam tradicionalmente de peixe, abusavam do barreado no carnaval e morriam de tanto comer, dando origem à crença popular de que não se bebe água enquanto se come o barreado nem mesmo até 2 horas após a refeição. A única bebida permitida é a cachaça.
Estrada da Graciosa indo para Curitiba
Ali mesmo em Morretes, que - convenhamos - sem preconceito, é o berço do barreado, às margens do Nhundiaquara achamos lá o " Escondidinho" e junto com o seu proprietário pudemos ver no prazo de 24 horas toda a concepção e gestação desse prato.
O fato é que, mesmo não sendo uma refeição com aquele visual colorido, maravilhoso, compensa pelo sabor, pela tradição, pela história de mais de 200 anos, pela essência, ao ponto de dizer que se ele tivesse uma bula teria a seguinte expressão: O Ministério do Turismo adverte: Sem contra-indicações, uma viagem de trem pela Serra do Mar, seguida de um barreado em Morretes é uma combinação totalmente benéfica para todos.
Eu me excuso de publicar uma receita. Depois de dois dias na cidade, circulamos sem pressa às margens do Nhundiaquara, observando o seu casario, o artesanato e voltamos a Curitiba,  agora pela Estrada da Graciosa... que paisagem!!!

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